Domingo 18 de fevereiro de 2024, o dia amanhece plúmbeo, londrino, choroso. É dia de Corinthians e Palmeiras. É dia de final, também. E é véspera de aniversário de um dos maiores. O Corinthians é diferente, nós não temos uma unanimidade quando o assunto é ídolo.
Nós não temos sequer um título preferido. Há quem diga que foi o final da fila, com o pé de anjo original, em 1977. Há quem defenda o primeiro título nacional, com Neto e companhia. Há quem diga que foi o primeiro mundial, com aquela seleção de 2000. Também há as novas gerações que pontuam a Libertadores como maior título. Há também quem diga que foi o mundial.
Fato é que por mais títulos que tenhamos, por mais ídolos que nos apareçam, nós vivemos mesmo é dessa doença, chamada ser Corinthiano. Sim, é uma doença. Congênita, dá logo quando nasce e é incurável, ainda bem. Ser Corinthiano, maloqueiro e sofredor, graças a deus; ser um maluco, ser chato, ser doente. Sermos nós, como nós sabemos ser.
Claro que alguns nomes se destacam, ajudam a colorir em preto e branco a nossa história. És do Brasil, o clube mais brasileiro. E como não ser um pouco Sócrates (Brasileiro)? Figura tão divina quanto profética.
“Eu quero morrer num domingo, num dia em que o Corinthians ganhe um título”
Sócrates
Sócrates Brasileiro era chamado de Doutor Sócrates. Porque ele ajudava a amenizar os sintomas do Corinthianismo. Com ele em campo o sofrimento era menor. Com ele em campo o time crescia fora dos gramados. Crescia em caráter, em história, em ética.
Mas me perdi, dizia eu do domingo, 18 de fevereiro, cinzento, grave. Dia de celebrar o Futebol Feminino, de ver a nossa torcida sorrindo, mais um título, mais uma vitória, mais um orgulho. Uma exceção nessa doença, um caso raríssimo de hospedeiras sem sintomas de sofrimento. E lá estavam 33 mil doentes, com ingressos cobrados cuja renda foi maior que a premiação da tal confederação de homens que nunca gostaram de futebol.
O fim do jogo feminino foi também o início dos sintomas. Febre alta, delírio, dor de cabeça. O fim está próximo? Qual o próximo fim?
A gente sabe o que é um Corinthians e Palmeiras
Os primeiros indícios do paciente 0 do Corinthianismo remontam a 1910. Nosso rival é uma mutação putrefata do vírus, algo que deu errado, em 1914. Uma parcela dos doentes originais demonstraram sinais de demonização do povo, algo até hoje inadmissível. Esse povo que tem por característica uma cor estridente e um gosto por certo tipo de arrogância está aí até hoje.
A história conta que em 1918, o Alvinegro Brasileiro, hoje Colossal de Itaquera, ainda não havia vencido a mutação verde. Um grupo destes passou por um restaurante onde nossos bravos heróis de então faziam sua refeição e jogaram um osso. Osso com características claras da mutação e sua arrogância: “O Corinthians é canja para o Palestra”. Resultado foi 3×3. Heróico.
Mas a doença Corinthians é também um sinal divino. Profético. São inúmeros os casos e exemplos de possessão nos clássicos entre nós e a mutação.
Em 1955, precisamente em 6 de fevereiro, nós jogávamos uma final de campeonato paulista. O chamado IV Centenário. Um empate bastaria para nos dar a taça. Os rivais, orientados por um Pai de Santo, vestiram azul, em vão. Luizinho marca logo aos 10 minutos de jogo, de cabeça. Corinthiano sabe que marcar gol cedo é sinal de sofrimento longo. E no segundo tempo os caras empataram. Mas a possessão veio, Gilmar, o goleiro, recebeu dos céus um espírito de muralha e fechou tudo. 1×1, choram os rivais.
Foram 23 anos até que lembrássemos como era chorar de alegria novamente. Mas somos vírus e nos espalhamos por esse período. Invadimos o Maracanã e mais e mais portadores do Corinthianismo apareceram mesmo sem títulos. Como era possível?
Em 1977, depois de todos os capetas fecharem as traves de todas as formas possíveis, o próprio São Jorge abandonou o dragão, transmutou sua espada em forma de chuteira e fez o gol, usando o Basílio para isso. Pé-de-anjo. Pé-de-Santo. Em 99 São Jorge deixa a santidade de lado e encarna o capetinha. 2×2, embaixadinhas.
Em 2011 foi também em um Corinthians e Palmeiras que nosso profeta nos deixou. Sócrates, brasileiro, morreu em decorrência do abuso de álcool. Morreu num domingo, com o Corinthians sendo campeão, profético, divino.
Como não falar em possessão, interferência divina ao lembrar do clássico de 2017? O juiz expulsa o jogador errado e nós ficamos com 1 a menos durante quase todo o jogo. Mas no final, São Jorge desceu e resolveu. Encarnou Jô que saiu em disparada e fez o gol da vitória.
Ah Corinthians, cachaça do torcedor.
Cada vitória é uma festa e a derrota um dissabor. Até um simples empate, que podia consolar, quase sempre é conquistado
Paulinho Nogueira – Meus 20 anos (Ai Corinthians)
quando é preciso ganhar.
Nós somos Corinthians. Nós somos os doentes que gritam mais alto quando levam gol. Nós somos do tipo que levantam a camisa pra 80 mil torcedores racistas no Peru. Nós somos do time que bate no peito no meio da torcida adversária e grita: Aqui é Corinthians.
Nós somos os que colocam 120 mil pessoas em 4 jogos. Seria tranquilo dizer outros times fazem. Mas nós colocamos 120 mil pessoas em 4 jogos sem o time masculino profissional jogar qualquer um destes 4 jogos.
O título não é importante, importante é ser feliz –
Profeta Sócrates Brasileiro
Ontem quem recebeu um sinal divino fui eu. Eu sei, é difícil de crer, mas desta feita guardei provas:
Eram 87 minutos de um jogo que vai até 90, e o placar marcava 0x2. Era para ser um passeio. Era para ser humilhante. Era, mas não foi.
São Jorge da Capadócia já havia me sinalizado. E eu, de joelhos, fui o responsável direto pelo gol de Garro. Pois fui eu, de joelhos, quem entoou o nosso hino maior.
Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem,
tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam
A bola entrou. A segunda amanheceu com Sol. Sócrates sorri em seu aniversário.
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