O jornal The Athletic publicou nessa semana uma informação que todo amante do futebol feminino espera há anos: a FIFA criará um Mundial de Clubes Feminino. A entidade máxima declarou que a pauta está em “processo de consulta” para implementação a partir de 2026.
As primeiras indicações de que o torneio estava em discussão na FIFA surgiram em meados de 2019, mas de forma não-oficial. Apenas em dezembro de 2022, o presidente da FIFA Gianni Infantino anunciou a criação do torneio. Agora, o jornal The Athletic adianta mais informações, afirmando que o formato mais bem-visto pela entidade e confederações é um torneio bianual, a partir de 2026, contando com 16 equipes de todos os continentes.
Uma história (não tão) antiga
Se no futebol masculino as disputas intercontinentais começaram muito cedo, com torneios amistosos como o Torneio de Paris, a Copa Rio e a Pequena Taça do Mundo, se consolidando com a Copa Intercontinental, o futebol feminino demorou a se organizar a nível de torneios interclubes. Apenas em 2001, o primeiro torneio continental, a Copa Feminina de Clubes da UEFA (Women’s Cup).
Isso impactou diretamente no tempo que a FIFA levou para se interessar por um torneio mundial de clubes. Se no masculino a entidade procurou criar a sua competição desde meados da década de 1970, conseguindo apenas em 2000, no feminino essa ideia não tem sequer 15 anos de existência. E a primeira tentativa foi robusta: o torneio chegou a data e local marcados: março ou abril de 2010, na cidade de Santos/SP. Portanto, o Brasil também seria a sede inaugural do Mundial de Clubes das mulheres.

Um lobby brasileiro
Essa escolha tinha uma razão e um forte responsável: o então presidente do Santos FC, Marcelo Teixeira. Na época, o mandatário era membro da Comissão Organizadora do Mundial de Clubes Masculino da FIFA, e também respondia pelo clube que talvez fosse o melhor do país na modalidade feminina, na época – somente entre 2006 e 2008, as santistas venceram três Jogos Regionais, um Paulista e uma Copa do Brasil.
Assim, provavelmente visando unir o útil ao agradável, o dirigente propôs, em março de 2009, que a FIFA criasse um torneio mundial de clubes para as mulheres (à direita, recorte do site do Santos). Na mesma reunião, começaram as discussões para a criação, também, da Copa Libertadores Feminina, a fim de indicar o representante do continente para o torneio.
O Santos, que seria o representante brasileiro no torneio, se mexeu: trouxe por empréstimo estrelas mundiais como Cristiane e ela, Marta, uma das melhores jogadoras da história. Claro que deu 100% certo: na competição da Conmebol, em outubro, disputada em Santos e São Paulo, a equipe venceu todos os jogos que disputou e foi campeã com sobras.
Menos de duas semanas depois, a Comissão de Futebol Feminino da FIFA se reuniu na Suíça e bateu o martelo: seria criada a I Copa do Mundo Feminina de Clubes, e ela ocorreria em março ou abril de 2010, na cidade de Santos. As confederações continentais tinham até janeiro para indicar seus representantes para o torneio, sendo que por parte da UEFA o provável indicado seria o Turbine Potsdam (ALE), campeão da UEFA Women’s Cup 2008-09.
Mas, por alguma razão, o projeto não andou. É escasso o material na Internet sobre o motivo do cancelamento, mas é possível afirmar que, em dezembro de 2009, o torneio ainda estava de pé (conforme afirma essa matéria).
O Torneio Internacional de 2011
Com isso, surgiu em janeiro de 2011 um torneio inspirado no Mundial de Clubes, mas sem seu status: o Torneio Internacional Interclubes de Futebol Feminino. O torneio, autorizado pela CBF e organizado pela FPF em parceria com a empresa Sport Promotion, foi um quadrangular jogado em Araraquara entre três equipes brasileiras (Santos, Palmeiras e Foz Cataratas) e uma da Suécia, o Umea IK (clube que Marta já havia defendido por três anos). Após quatro jogos, as santistas venceram a competição.
IWCC: o candidato a Mundial de Clubes Feminino
No ano seguinte, um novo personagem entrou nessa história: Taguchi Yoshinori, na época presidente da Nadeshiko League (a elite japonesa do futebol feminino). Em outubro de 2012, ele anunciou a criação da International Women’s Club Championship (IWCC). A proposta era simples e clara: organizar o torneio em parceria com a Federação Japonesa por três anos e, então, trabalhar para que ele fosse assumido pela FIFA e transformado em um legítimo Mundial de Clubes.

Apenas um mês depois do anúncio, quatro times entravam em campo para a primeira edição do torneio, que foi vencido pelo Lyon (FRA), então campeão europeu, com o INAC Kobe Leonessa (JAP) como vice.
Já na segunda edição, em 2013, tivemos pela primeira vez a América do Sul representada, em um torneio com cinco equipes. O Wolfsburg (ALE), campeão europeu de 2012-13, teria sido convidado, mas aparentemente declinou do convite. Além disso houve tentativas de trazer uma equipe da NWSL, a liga dos EUA, mas sem sucesso. No torneio, as japonesas do INAC Kobe Leonessa surpreenderam, vencendo o Chelsea (ING) na final e deixando o troféu da IWCC em casa.
Por fim, em 2014, foi a vez do Brasil ser representado pelo São José, campeão da Libertadores de 2013. Pela primeira e única vez, a competição foi disputada por seis equipes de quatro confederações. O Arsenal (ING) foi convidado a representar a UEFA no lugar do Wolfsburg, novamente campeão europeu e que novamente rejeitou participar do torneio. Mas novamente as europeias ficaram com o vice-campeonato, ao serem derrotadas na final pelas brasileiras por 2×0.
O fim do IWCC
Após os três anos de torneio, a IWCC passou a negociar com a FIFA para que a entidade desse seu endosso às edições seguintes, tornando-as oficialmente um Mundial de Clubes. Haveria brasileiras na edição de 2015: o São José, que havia vencido a Libertadores de 2014. Mas as conversas não avançaram e, em setembro, a direção do IWCC anunciou o cancelamento do torneio de 2015 (abaixo, recorte do Globo Esporte.com); ele nunca mais ocorreu.

Antes disso, ainda em 2013, houve outra tentativa de criação de um torneio, também envolvendo o São José. Na proposta, haveria apenas um confronto entre a equipe brasileira e a campeã europeia (as alemãs do Wolfsburg), em jogo único no Japão ou em dois jogos (um na Alemanha e um no Brasil). No entanto, como a proposta não saiu do papel, coube às paulistas disputarem mesmo o IWCC de 2014.
Alguns anos se passaram e a FIFA assumiu um papel decepcionante sobre o tema. Em maio de 2017, durante um congresso da entidade no Bahrein, Emily Shaw, então head de governança e liderança de futebol feminino da FIFA, afastou a ideia de um Mundial de Clubes, por considerar a ideia “prematura”.
Novos torneios amistosos
Isso abriu espaço para novos torneios amistosos, e podemos destacar dois. O primeiro é o Women’s International Champions Cup (WICC), criado pela Relevent Sports Group em 2018. O torneio teve quatro edições, sempre com quatro equipes no formato mata-mata, e colocou frente a frente clubes tradicionais da Europa, EUA e México. Seus campeões foram Lyon (FRA) em 2019 e 2022, North Carolina Courage (EUA) em 2019 e Portland Thorns (EUA) em 2021.
Já em 2021, um grupo de empresas de esporte e entretenimento dos EUA se uniu para co-organizar a The Women’s Cup, que em suas três edições já disputadas contou com equipes da Europa, EUA, México e Japão. E neste ano, na sua quarta edição, não só terá pela primeira vez uma equipe sulamericana como ocorrerá no continente – na Colômbia. As campeãs da TWC são Racing Louisville (EUA) em 2021, OL Reign (EUA) em 2022 e Atlético de Madrid (ESP) em 2023.
Mundial de Clubes Feminino 2024: como seria?
Sabemos que a FIFA criará o Mundial de Clubes Feminino apenas daqui a dois anos, provavelmente. Mas somos ansiosos e pensamos: como o torneio seria se começasse esse ano? Certeza não dá pra ter, mas podemos imaginar!
Baseados na reportagem do The Athletic, que afirma que o formato discutido é um torneio bienal com 16 equipes, é plausível imaginar que a FIFA espera reunir as campeãs continentais dos dois anos anteriores na competição, em uma fórmula de disputa com quatro grupos de quatro times. Assim, uma distribuição de vagas possível poderia ser:
- UEFA: campeãs e vices da Women’s Champions League 2022 e 2023 (4)
- Conmebol: campeãs e vices da Libertadores Femenina 2022 e 2023 (4)
- AFC: campeãs do Women’s Club Championship 2022 e 2023 (2)
- CAF: campeãs da Women’s Champions League 2022 e 2023 (2)
- OFC: campeã da Women’s Champions League 2023 (1)
Restariam três vagas: duas para a Concacaf, que ainda não tem torneio continental, e uma para a campeã do país-sede do torneio. Para essa simulação não vamos chutar uma sede, mas para as vagas da Concacaf vamos considerar as campeãs 2023 de EUA e México. Então, teríamos os seguintes times participantes:
- UEFA: Barcelona (ESP), Lyon (FRA), Wolfsburg (ALE) e PSG (FRA)*
- Conmebol: Corinthians (BRA), Palmeiras (BRA), Boca Juniors (ARG) e Colo-Colo (CHI)**
- AFC: College of Asian Scholars (TAI) e Sogdiana Jizzakh (UZB) ***
- CAF: Mamelodi Sundowns (AFS) e AS FAR (MAR)
- OFC: AS Academy (NCA)
- Concacaf: Gotham FC (EUA) e América ou Tigres UANL (MEX) ****
- País-sede: a definir
Só vem, Mundial de Clubes Feminino!
À primeira vista, um torneio bastante interessante, com pelo menos 10 equipes com força pra se mostrarem competitivas, e garantir de bons jogos já na fase de grupos. E você, o que acha? Um Mundial de Clubes seria viável dessa forma, já esse ano? Deixe seu comentário!
* Como o Barcelona foi finalista em 2022 e 2023, assim escolhi o PSG como último representante via ranking da UEFA
** Como o Palmeiras foi finalista em 2022 e 2023, por isso escolhi o Colo-Colo como último representante via tabela histórica do torneio
*** As duas equipes foram campeãs do torneio em 2022; a edição 2023 ainda não teve final
**** A Liga MX Femenil tem Torneo Apertura e Clausura, então os times teriam que disputar a vaga no Mundial
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