Ódio eterno ao futebol moderno…
Afinal de contas, por que raios gostamos de futebol? Essa pergunta me surge a cada jogo do Corinthians, a cada jogo do campeonato brasileiro e a cada vez que olho para meu filho de 5 anos e penso que, puxa, seria tão bom se ele gostasse de futebol como eu… Mas ao mesmo tempo o que fazem com o futebol?
Aqui em São Paulo é praticamente proibido ser feliz no futebol. Torcida adversária não pode. Bandeira com mastro, não pode. Sinalizadores, não pode. Cerveja no estádio, não pode. Comemorar gol com a própria torcida, não pode. Tirar a camisa depois do gol, não pode. E o mais bizarro, hoje nem comemorar o gol mais nós podemos, temos que esperar o VAR dizer se nossa breve alegria está autorizada ou não. E isso leva tempo, um bom tempo (em média 1 minuto e meio).
Como eu vou explicar ao meu filho de 5 anos que o gol só poderá ser comemorado daqui 1 minuto e meio? Que futebol tem time adversário mas a torcida não existe. Que comemorar um gol precisa ser como numa biblioteca?
E fiquei me perguntando, por que mesmo a gente gosta disso?
Vamos à biblioteca, pois então…
Pierre Bourdieu, famoso sociólogo francês, que falava muitas coisas – você queria o quê? Filósofo e francês ainda… – entre elas que que a variedade de gostos e de hábitos era profundamente marcada pela trajetória social dos indivíduos. E certa feita ele descorreu sobre o esporte bretão, numa exposição que fazia num congresso lá em idos de 1978…
Valorizar a educação contra a instrução, o caráter ou a vontade contra a inteligência, o esporte contra a cultura, é afirmar, no interior mesmo do mundo escolar, a existência de uma hierarquia irredutível à hierarquia propriamente escolar (que privilegia o segundo termo destas oposições).
Trocando em miúdos, se é que autorizado estou a trocar em miúdos um filósofo tão consagrado, Bourdie está falando que a oposição Esporte x Cultura é pura e simples elitização da coisa toda. E, bem, o link do original está ali para quem quiser ler e vir me desmentir (o que é bastante provável, diga-se).
E porque falo de uma elitização? Ora, porque foi assim que se constituiu o futebol moderno. A oposição sorrateira entre esporte e cultura (ou “alta cultura”), que opõe o teatro ao futebol popular (ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, tenta transformar pelada em ópera) foi originalmente montada como “a violência” e o “esporte”. Como se a única saída para o fim da violência nas torcidas fosse a saída proposta e executada por Margaret Thatcher no futebol inglês e exportada com sucesso ao redor do planeta – quase – todo.
O tal relatório Taylor provavelmente nunca foi lido por dirigente nenhum do futebol brasileiro. Mas nem precisaria, é assim com as bases de qualquer autoritarismo, são simples de entender. Entre as decisões escritas, a obrigatoriedade de se assistir aos jogos de maneira sentada (com lugares marcados, como… exatamente, num teatro). Entre as não escritas a obrigatoriedade de majorar (subir mesmo) os preços dos ingressos.
E se o campo esportivo é democrático, ou trocando em miúdos, se não há mais bobo no futebol, se todo mundo tem a capacidade de vencer, então por que as arquibancadas não poderiam ser igualmente democráticas?
Jogadores que não são gente
Aqui não se trata de dizer que os jogadores são uma classe abaixo da classe “gente”, ao contrário, trata-se de por as coisas em seus devidos lugares. Há tempos os jogadores deixaram de ser pessoas comuns, com hábitos comuns e passaram a ser deuses em um Olimpo longínquo, os quais podem ser avistados tão somente em partidas pela televisão (ou em estádios elitizados) e se afastaram de nós, pobres mortais.
Não por acaso são cobrados de forma excessiva quando erram, proibidos de se divertirem em baladas, ameaçados por adolescentes em redes sociais. Ora, um deus não pode errar. Um deus não decepciona jamais. E quando essa mística é quebrada o que resta é o não saber lidar com frustrações, o mal do século.
Claro que o mundo mudou, as pessoas mudaram e tudo mais. Mas os relatos de casos como este do vídeo eram aos montes. Os jogadores deixaram de se sentir humanos, perderam a conexão com os clubes e, salvo raríssimas exceções, com as torcidas também.
O que restou, afinal, pra nós? Das migalhas de um ou outro que volta pra roubar o clube de coração ou declara que “gostaria de se aposentar no clube de coração”, como se não houvesse a necessidade de jogar bola, apenas a de desfilar nos campos que se apresentam por aí, como se fizessem um favor ao povo que paga muito mais do que deveria para ter tomado por uma federação privada, de interesses excusos, 1 minuto e meio de catarse que teríamos direito.
É por isso que causa tanto frisson, que emociona tanto, quando se vê uma imagem como a que viralizou esta semana, de Memphis na quebrada, comendo um parmegiana no boteco, sorrindo ao lado de transeuntes que, incrédulos, afirmam: “o cara tá aqui”, mas que querem dizer realmente: “achei um ser humano no futebol”!
São fatos assim que nos alimentaram a vida toda, que nos fizeram ter gosto pelo jogo de bola. Que me permite sonhar em, um dia quem sabe, ver meu filho com a mesma paixão que eu pelo futebol brasileiro. Pelo Timão. Sem vestir uma camisa espanhola ou torcer pela Champions league como quem torce por uma live de gameplay de um jogo que só existe no mundo virtual…
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