Era 27 de setembro de 2009, um domingo de sol, dia de nervosismo, dia de clássico, dia de ver o Fenômeno em campo no estádio Cícero Pompeu de Toledo. O ano de 2009, para quem não se lembra, ficaria marcado por um golaço de cobertura de Ronaldo em cima de Fábio Costa, em plena Vila Belmiro, na final do Paulistão. E do título sobre o Internacional na Copa do Brasil, que particularmente me foi bastante saboroso, depois da tragédia de 2008.
Antes de explicar o título desta postagem é preciso fazer algumas explicações, sobretudo para os mais jovens e ansiosos torcedores do Timão. No ano da graça de 2009 ainda existia rivalidade nos estádios. Ainda era possível, muito embora já com bastante limitação, assistir a um clássico fora de casa, na sua própria torcida. Não foi bem o meu caso, é verdade, mas para entender isso também é preciso entender uma segunda particularidade.
Minha família vive/vivia uma pequena maldição. Meu avô, Vicente Gino Amatucci, era palmeirense fanático. De citar times antigos com toda a escalação. Lembro que uma das últimas vezes que conversei com meu vô sobre futebol ele estava acamado no hospital, saindo da anestesia e me contou maravilhas sobre um time do palmeiras num ano qualquer. Meu pai, no entanto, é São Paulino fervoroso. E a mim restou ser Corinthians, num indicativo nítido e óbvio de que a maldição faz parte da família.
Mas, com o perdão da leitora e do leitor, volto à ladainha. Vamos por um intertítulo, porque assim manda o figurino.
Assistir o majestoso na torcida errada
Não era a primeira vez que eu via um majestoso na torcida dos caras. Na verdade eu já assisti a alguns jogos na torcida errada, por vezes pela companhia, outras vezes chantageado – um amigo ia comemorar o aniversário no saudoso “The Waves” (um embrião de Wet’n Wild) e nos forçou a assistir a um palmeiras e Paraná no antigo Parque Antártica (de lá fomos todos ao parque aquático).
Em 2009 a Visa havia feito uma parceria com o São Paulo, razão pela qual o tamanho da torcida visitante foi reduzido à 5% da carga total. À época era um escândalo. Foi precisamente por conta deste setor que Andrés Sanchez anunciou – e cumpriu – que o Corinthians jamais voltaria a jogar como mandante no Morumbi.
O setor Visa era dividido por um cordão e algumas fileiras de cadeiras vazias. No setor Visa do mandante, as pessoas compravam a cadeira para o ano todo, numa espécie de Season Pass, que hoje tanto se fala. A entrada era feita com o uso do cartão de crédito, tudo muito moderno.
Eu e meu pai tivemos uma tradição que durou alguns anos, de ir assistir ao Majestoso no Morumbi. Eu ia pela companhia, sempre no setor da torcida da casa. Algumas vezes na arquibancada, algumas vezes no camarote, outras na numerada. Nesta data compramos a cadeira de um amigo e fomos no tal setor Visa.
Pois bem, chegamos bem cedo em nossas cadeiras e nos sentamos. Arquibancada ainda vazia, batemos um longo papo a respeito dos times. Estávamos ansiosos pelo jogo, como haveria de ser, mas também por ver Ronaldo Fenômeno em campo. Não é qualquer coisa ver um cara desses ao vivo. O segurança notou logo que se tratava de um pai São Paulino e um filho infiltrado, sorriu algumas vezes. A arquibancada foi enchendo e nosso papo tomou outros rumos, afim de mantermos o disfarce.
E a bola rolou…
32 mil pessoas estiveram presentes naquele domingo de Sol.
O possante time do Corinthians vinha com Felipe; Alessandro, William, Paulo André e Marcinho; Marcelo Mattos, Jucilei e Defederico (ele mesmo); Jorge Henrique , Dentinho e Fenômeno. Já o tricolor vinha com Bosco; Renato Silva, André Dias e Miranda; Jean, Richarlyson, Hernanes, Jorge Wagner e Junior Cesar; Borges e Dagoberto.
Jorge Henrique seria substituído por Souza e o Fenômeno sairia para entrada de… Bill. Já no São Paulo Richarlyson sairia para entrada de Marios, Jorge Wagner sairia para dar lugar a Hugo e Borges sentaria para que Washington (coração valente, mas aposentado pelo próprio coração).
Aos 20 minutos do primeiro tempo alguém tenta um passe displicente para Ronaldo. O passe é longo demais e André Dias toma a frente. Bosco sai afobado e André Dias não vê e acaba dando um passe, que era para Bosco, mas acabou sendo drible no próprio goleiro, que o Fenômeno não perdoou. O placar marcava 1×0 pra nós.
Minha reação ao ver a jogada, hoje eu me lembro em câmera lenta mas deve ter durado pouco mais de 5 segundos, foi levantar ao ver o André Dias tomar a frente e pular – P-U-L-A-R – ao ver a bola entrando. Olho para o lado e o setor Visa com torcida do Corinthians me xinga muito, eu ainda não entendo o que diabos está acontecendo. Sou um de vocês, porra, graças a um resquício de sanidade, apenas pensei isso, não falei. Assim que meus pés tocam o chão de volta do pulo eu recebo um empurrão nas costas e o segurança me olha assustado. Meu pai ao meu lado em puro terror. Eu dou um grito: Filha da Puta!
As pessoas atrás de mim acreditaram ou ao menos aceitaram o xingo como penitência e não me tocaram mais. O segurança respirou aliviado e meu pai também. Eu ainda tive que fingir uma breve comemoração no gol de empate dos caras.
O jogo acabou empatado em 1 a 1. Isso também não era novidade, todos os jogos que vi ao lado de papai no estádio foram empates. Provavelmente uns 8 São Paulo e Corinthians (não consecutivos). A sina estava mantida. Eu estava vivo.
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