Escrevo esse texto horas depois de assistir a um Corinthians completamente indefeso perder de forma constrangedora para o modesto Novorizontino, em plena Neo Química Arena lotada com 40 mil fiéis torcedores. Torcedores e sofredores. E muito embora o 3×1 contra tenha sido péssimo (afinal, foi a quarta derrota seguida e custou a entrada do time na zona de rebaixamento do Paulista), existe uma notícia pior: não existe qualquer sinal de que algo vá mudar.
A temporada começou com alguma esperança e muitas desconfianças sobre o que o Corinthians sob nova direção, e livre da Renovação e Transparência, poderia oferecer. Rendeu uma pequena alegria no gol de bicicleta de Romero, na estreia do Estadual. E então, tudo despencou, como se o clube tropeçasse do topo de uma escada sem ter onde se agarrar. Ituano, São Bernardo, São Paulo e Novorizontino. Quatro derrotas onde o Alvinegro muito pouco mostrou.
Torcida traída, Corinthians perdido
Quem mais perde nesse contexto é a torcida, que paga para testemunhar seguidos vexames e não consegue se desvencilhar. É o oprimido do relacionamento tóxico. O sequestrado com síndrome de Estocolmo. É o viciado que não aceita se reabilitar. Perde as horas de sono, perde amizades, perde a alegria, por conta de pessoas que sequer sabem seu nome e os trata como um número. Existe tristeza maior do que se sentir desprezado pelo seu amor?
Mas pode piorar: o cenário atual é tão catastrófico que influencia até mesmo nossa capacidade de exercitar a empatia. E isso, podemos verificar facilmente nas redes sociais. O mantra é um só: “fora todo mundo”. É o que o coração, cansado, grita. E a mente, anestesiada, alcoolizada, ferida, não tem forças pra rebater.
Ciclo destrutivo
A Renovação e Transparência deixou um legado de destruição? Sim. Mas a atual diretoria foi amadora em muitos momentos esse ano. A culpa é dela então? Talvez. Mas a posse foi há um mês apenas, temos que dar tempo. Só que não temos tempo, e janeiro foi mal aproveitado – os reforços são poucos. Então é o que falta? Talvez, mas o elenco atual devia ser competitivo em um estadual. Se não é, a culpa é do técnico? Pode ser. Mas como ele trabalha sem jogadores? Então a culpa é da diretoria. Mas se a culpa é de todos, como corrigir o Corinthians? Em quem confiar?
É um ciclo destrutivo de acusações e soluções possíveis. Em comum, todas elas são, na prática, injustas, pois focam em um culpado e eximem os outros. Ano passado, os culpados escolhidos foram a RT e o elenco. Os sócios puniram a RT, e a nova diretoria puniu o elenco, prometendo reformulação. Mas a reformulação virou desmanche, e a confiança no novo grupo se esfarelou em meio a promessas vazias, contradições e a entrega de um Corinthians para o início do ano que contrasta muito com o prometido. Uma diferença que beira o estelionato eleitoral. E o torcedor, traído, paga o preço.
O próximo culpado a punir
No mundo do futebol, correções de rumo durante a temporada costumam ter um alvo mais simples: o treinador. Mais fácil lidar com uma demissão do que fazer uma limpa de laranjas podres no vestiário. “Mas o Mano não recebeu os reforços”, alguém vai gritar. E é uma grande verdade. Mas o que fazer quando aparentemente não há mais o que se fazer?
São cinco meses de uma terceira passagem melancólica pelo Corinthians, marcada por míseros 33% de aproveitamento na Neo Química Arena, onde ninguém mais tem medo de jogar. Ano passado, o time rendia pouco. Esse ano, rende menos ainda. Atritos públicos com jogadores ocorrendo com frequência assustadora, e jogadores tirando o pé em campo. Eles são culpados? Tanto quando. O Corinthians pode “resetar” o elenco? Não, não pode. E ficar sem fazer nada, o Corinthians pode? Também não. Como veem, a decisão está tomada antes mesmo de ter sido tomada.
A tarefa do sucessor será ingrata: fazer um elenco de sabotadores começar a correr por algo que não seja a própria conta bancária. O sangue novo é pouco demais pra influenciar os senadores. E os jovens, se mal orientados, vão desmontar antes que possam contribuir. Será possível recuperar os atletas, blindá-los dos caos político e recuperar a dignidade do Corinthians dentro de campo? Algum treinador com essa capacidade aceitará assumir essa tarefa?
Desilusão às 1h15 da manhã
Esse texto não tinha intenção de propor soluções. Já fizemos isso ao indicar sete possíveis treinadores para o lugar de Mano. Também não pretendia pensar a temporada racionalmente. Também fizemos isso ao explicar o que o Corinthians precisa fazer para não disputar a Série A2 em 2025. Esse texto tinha a intenção de colocar na tela um pouco do que estou sentindo ao pensar o Corinthians: não sei o que pensar.
A sensação de impotência é desesperadora, tanto quanto saber que talvez não haja mais tempo pra uma solução surtir efeito. Ter a própria felicidade nas mãos de terceiros é desgastante, é cansativo. Chega a ser meio doentio. Mas o que posso fazer, se só sei viver assim? Porque não consigo tratar o Corinthians como o Corinthians me trata?
Mais uma semana se inicia, e com ela mais uma noite de sono ruim, causada por um CNPJ que não honra o a história da instituição que representa. Não sei como, não sei com que forças, mas Corinthians, por favor: se salve.
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